“Primeiro levaram os negros / Mas não me importei com isso /
Eu não era negro, Em seguida levaram alguns operários / Mas não me importei com
isso / Eu também não era operário, Depois prenderam os miseráveis / Mas não me
importei com isso /Porque eu não sou miserável, Depois agarraram uns
desempregados / Mas como tenho meu emprego / Também não me importei, Agora
estão me levando / Mas já é tarde / Como eu não me importei com ninguém /
Ninguém se importa comigo.” - Bertolt Brecht
Talvez em um futuro não muito distante esta luta pela qual
passamos hoje possa ser encarada como um marco para muitas outras profissões
que passarão por risco semelhante. Talvez a dura luta atual dos taxistas, seja
a sua luta de amanhã. Talvez quando o sistema todo trabalhista decretar
falência em benefício de algumas poucas empresas, nós finalmente encontremos
empatia uns nos outros nesta causa tão opressora. Mas talvez, quando tudo tiver ruído, seja
tarde demais.
Primeiro ponto, vale ressaltar e desmistificar, taxistas não
são contra tecnologia. Pelo contrário. Taxistas utilizam-se dela diariamente no
seu serviço em benefício da população.
Não é esta discussão
que propomos aqui. Longe disso. Mesmo a própria Uber nada tem a ver com
tecnologia ou inovação. A empresa apenas se aproveita dessa brecha,
utilizando-se de um enorme poder de dinheiro, marketing e consequentemente de
construção de narrativa, para mascarar seu discurso e promover um falso debate
ao não escancarar suas próprias contradições. E que são muitas, tenham certeza
disto.
O fato é que essa polêmica nunca teve como ponto central a
qualidade do serviço prestado ou a liberdade de escolha pelo consumidor. Estes
são aspectos e argumentos facilmente discutíveis e desmascarados. O que a Uber
pratica é muito mais complexo e merece uma análise muito mais criteriosa e
rigorosa do que se apegar a dois pilares tão primorosos e democráticos. A
verdadeira discussão nunca tratou disso. Taxistas são autônomos por definição e
essência de trabalho e não possuem reserva de mercado alguma. Pelo contrário,
esta é justamente uma das intenções ocultas da empresa. Monopolizar todo o
setor para só depois mostrar suas reais intenções. Por isso a prática de preços
abusivos e de contas que não fecham para seus próprios motoristas. Muitos deles
inclusive, desiludidos, já começam a se retirar do fantasioso sistema.
Desrespeito às leis e à ordem pública, concorrência desleal,
transporte clandestino, ilusão e desrespeito ao consumidor, falta de
transparência nas políticas empresariais, motoristas sem checagem de
antecedentes criminais, processos trabalhistas, veículos sem vistoria de
segurança, denúncias de evasão de divisas e de sonegação fiscal em vários
países e diversas outras acusações pelo mundo todo. A lista é extensa. Estes
são apenas alguns dos sombrios aspectos que cercam a empresa clandestina aonde
quer que ela se instale. São essas as contradições que deveriam nos assustar.
Nós somos contra a desregulamentação do sistema de
transporte, contra a precarização da profissão, contra a insegurança no
transporte de vidas, contra a escravização de trabalhadores, enfim contra uma
multinacional que, amparada por bilhões de dólares de investidores que buscam o
monopólio do negócio, se julga acima de leis e de países para implantar seu
modelo predatório. E que nunca buscou conversas com o poder público para se
enquadrar dentro da Constituição Brasileira. Ou das leis que regem e garantem
segurança ao serviço de transporte brasileiro. Do contrário seríamos uma
anarquia. E isso, acreditamos que decididamente, não desejamos ser.
Há uma infinidade de questões – de ordem judicial, de
legislação envolvendo o transporte público, de responsabilidade social, de
ordem tributária e fiscal, de segurança e dentre tantas outras, e a empresa
simplesmente está se colocando à margem da legalidade e inserindo um falso
debate em todas elas. Já o serviço de táxi é credenciado, regulamentado,
fiscalizado e legalizado. Há uma série de exigências profissionais que devemos
cumprir junto aos órgãos reguladores da administração pública.
Sempre pensando na
qualidade, no conforto e na segurança de nossos clientes. Além de contribuir
para toda uma cadeia produtiva e socioeconômica do país.
Não podemos nos curvar de maneira tão obscena e tampouco
aceitar uma empresa predatória apenas por interesses comerciais de investidores
estrangeiros. Precisamos refletir seriamente sobre isso. Uma empresa desse
porte não pode se colocar acima de uma categoria gigantesca de trabalhadores,
acima de leis brasileiras e acima dos interesses nacionais. Hoje são os
taxistas quem sofrem, mas amanhã esse engodo escravista poderá afetar diversas
outras profissões. E outros engodos virão.
Conceder essa polêmica e questionável prerrogativa
privilegiada, neste conturbado momento de delicadas incertezas profissionais
para mais de 500 mil trabalhadores, trará sérias consequências para a
desregulamentação do sistema de transporte e para a precarização desse serviço.
E claro, abrirá um precedente histórico de risco para diversas outras
profissões regulamentadas.
Uma empresa desse porte não pode simplesmente operar
amparada por polêmicas liminares que sequer deixam fiscalizar seus veículos e
coloca em risco a vida de passageiros e cidadãos brasileiros. A concorrência
pode ser livre, como bem determina nossa Carta Magna. A concorrência só não
pode ser injusta, desleal e predatória.
A atividade do transporte é uma questão de interesse
público. E a proposta da Uber vai justamente na contramão desta premissa.
Desregulamentar o setor implicaria em uma série de questões que, futuramente,
podem trazer consequências trágicas para as cidades, para a sociedade e para
milhões de trabalhadores.
Nós estamos hoje, aqui em Brasília, em busca de um marco
regulatório que crie um equilíbrio no sistema e nos conceda condições mínimas
de sobrevivência. E claro, que garanta a segurança de toda a sociedade. Estamos
em busca do diálogo e de soluções. Não de imposições. Enfim, viemos até aqui em
busca de justiça. E esperamos sermos ouvidos. O nosso grito desesperado de hoje
poderá ser a súplica de toda a sociedade amanhã. Pensem nisso.
Assinam este documento, Taxistas de todos os estados da federação brasileira.